quinta-feira, 1 de abril de 2010

Em 31 de março de 1964, depois do golpe que derrubou o presidente João Goulart e empossou o General Castello Branco, tinha início o período de ditadura militar brasileira. Marcado pela censura à imprensa, pelos direitos fundamentais suprimidos, prisões arbitrárias, torturas e mortes, os anos de chumbo se estenderiam por longos 21 anos.

Época das grandes passeatas, da efervescência do movimento estudantil e das guerrilhas. Tempos de Brasil “ame-o ou deixe-o” e de “ninguém segura esse país”. Essa triste página do grande livro chamado Brasil escrita com ferro e sangue preenche o coração dos que viveram aquela época com um misto de tristeza e nostalgia, fazendo parte de um passado inglório que jamais deve ser esquecido.

Pelos tempos atuais, passadas décadas do golpe, saboreamos avanços e retrocessos em relação à feio passado. No campo democrático, talvez o maior avanço. Temos hoje, em que pese merecer várias ressalvas, um país livre. No campo dos direitos humanos, o maior retrocesso. É inadmissível em um país dito democrático as violações tais quais existem. O fato de haver democracia intensifica a culpa. Dentre tantas violações que poderia citar me detenho aqui à tortura. Herança de tempos sombrios, afogamentos, espancamentos, asfixias, choques elétricos em órgãos genitais, interrupção da alimentação por dias, retirada a frio de unhas, golpes nas plantas dos pés, aplicação de vinagre sobre ferimentos e outros, são práticas ainda comuns em delegacias, cadeias e penitenciárias de todo o país. Segundo relatório da Organização das Nações Unidas divulgado no final de 2007, a tortura no Brasil é comum e sistemática, atingindo principalmente os presos jovens e negros. O relatório afirma ainda que raramente os policiais que abusam dos presos são considerados culpados. É peça de colecionador inquérito ou condenação de algum torturador.

Não necessitaríamos desta manifestação da ONU, relatando a existência de tortura nas cadeias brasileiras para termos ciência disso, a experiência cotidiana nos permite chegar a essa conclusão, pois tudo começa ainda na rua, onde simples revistas policiais se transformam em suplícios humilhantes. Chega ainda a espantar que a pena cominada ao crime de tortura, nos quase não conhecidos casos de condenação, seja a mesma do crime de furto qualificado. Ou seja, tanto faz arrombar um carro e furtar o CD player como introduzir fios eletrificados pela uretra de um homem, segundo a legislação brasileira os dois crimes terão a mesma pena, de dois e oito anos de prisão.

A existência permanente de sevícias é reflexo da impunidade dos torturadores do período ditatorial, bem como do silêncio e omissão popular nos dias atuais. Incorporando Pilatos lavamos nossas mãos enquanto centenas de pessoas são torturadas nas cadeias diariamente, o que nos faz cúmplices do horror. Em nenhum momento defendo a impunidade, luto outrossim pela justiça que tenho certeza não se faz pela tortura. Deixo por fim um poema de Frei Tito de Alencar, símbolo de resistência e utopia que a tortura não conseguiu calar: “Quando secar o rio da minha infância / secará toda dor. Quando os regatos límpidos de meu ser secarem / minh'alma perderá sua força. Buscarei, então, pastagens distantes / lá onde o ódio não tem teto para repousar. Ali erguerei uma tenda junto aos bosques. Todas as tardes, me deitarei na relva / e nos dias silenciosos farei minha oração. Meu eterno canto de amor: / expressão pura de minha mais profunda angústia. Nos dias primaveris, colherei flores / para meu jardim da saudade. Assim, exterminarei a lembrança de um passado sombrio”.