quarta-feira, 25 de março de 2009

Gaia

Renuncio a qualquer credo que imprime em mim a vivência de apenas metade de meu ser Nego-me a aceitar a idéia de uma existência que teima em não estampar em seus átrios a indagação fundamental "por quê?" Afasto-me, outrossim, da transcendência que me aliena e da imanência que me materializa Teimo em não aceitar a espiritualidade anti-evangélica que reduz tudo a mim mesmo, esquecendo-me do oprimido Repudio de igual forma a ideologia que me intitula de único e dominador Espero, enfim, como espera a esperança, que no meu profundo não haja nada além de desejos loucos do tudo, como vontades tolas de uma criança Insisto num pensamento crítico que dê respostas aos meus devaneios Hoje, de uma vez por todas, quero o transcendente imanente que une sem rodeio o hoje e o sempre Anseio não mais pelo amor falado, em meu dia-a-dia apenas impera o amor vivido Aceito apenas o ambiente completo, não me contento mais com o meio Em meu mosaico de pensamentos apenas se encaixa a idéia de ser parte de um todo a qual chamamos de GAIA.

A dor de cabeça de joãozinho

Joãozinho acorda sua mãe aos berros: - Mããããeeee, tô doente. - Doente? De quê menino? pergunta a mãe preocupada. - Tô doente de dor de cabeça, mãe. - De dor de cabeça? Mas dor de cabeça não é doença meu filho. - É doença sim, ta doendo muito, eu quero remédio pra ficar bom. - Olha filho, dor de cabeça não é doença, é apenas o sintoma de alguma doença. - Não quero saber mãe, é doença sim, e eu quero remédio pra ficar bom logo. - Você vai tomar o remédio agora e a dor vai desaparecer por enquanto, mas logo vai voltar. A gente tem que ir ao médico para saber de que realmente você ta doente filho. - Nãããooo mãe, médico não, eu quero ficar bom agora, se for pro médico vai demorar muitoooo. - Mas é isso filho, vai demorar um pouquinho, mas em compensação a gente vai descobrir qual sua doença e a dor de cabeça que é só um sintoma não vai... - Eu quero ficar bom agoraaaa, dor de cabeça é uma doença sim, me dá o remédio mãe. Interrompe joãzinho sua mãe aos berros. - Tudo bem filho, tudo bem, se é assim que você quer. Na manhã seguinte a história se repete. Ganha um piro-cóptero quem adivinhar quem é Joãozinho nessa história. Quem pensou no Brasil acertou. Mas por quê o Brasil? Você que não ganhou o piro-cóptero me pergunta. Explicar-lhe-ei meu caro. Nós aqui desta querida terra de Santa Cruz, por vários motivos, dentre eles históricos e culturais, estamos acostumados a procurar soluções fáceis e rápidas para nossos problemas, que na maioria das vezes não resolvem nada. Somos portanto esse Joãzinho da história. E você me pergunta ainda, e o que é então a dor de cabeça cara pálida? Olhaê, estamos nos entendendo. Boa pergunta. A dor de cabeça é o que está na moda nas passarelas de nossos tele-jornais, a famosa violência. Fala-se demais de quanto o nosso país está violento, é assalto daqui, é morte de lá. Porém continuamos pensando como Joãozinho, achando que a violência é um mal, esquecendo que ela é na verdade o sintoma de toda uma conjuntura social adversa. A violência não existe por si só, ela é fruto de todo um sistema opressor. A sua gênese está diretamente ligada à desigualdade social. Imaginemos uma criança que nasce na favela de nome Léco. Léco é o sétimo de nove filhos de dona Francisca, que veio do interior buscar a sorte na cidade grande. Os cinco primeiros filhos de dona Francisca são de Raimundo, que morreu na fila do hospital, até hoje não se sabe por qual motivo. Os outros dois filhos, inclusive Leco, são de pais diferentes. O pai de Léco, que só se conhece pelo apelido, Faísca, está preso. Dona Francisca hoje divide seu tempo entre cuidar das crianças e seu trabalho de diarista que lhe dá parte de seu sustento. Leco desistiu de estudar logo cedo, não por falta de vontade, mas por necessidade, ele queria ser professor ou jogador de futebol. Tinha que trabalhar na rua pra ajudar sua mãe, seus irmãos e seus sobrinhos, inclusive o filho de sua irmã Lara de treze anos que está grávida pela segunda vez. Ele começou engraxando sapatos, mas logo desistiu, o que ganhava não compensava. Passou então a fazer malabares em um sinal de trânsito, mas também não deu certo, as nobres senhoras tinham medo de serem assaltadas por Leco. Foi então que conheceu “cabeça”. Cabeça tinha a história parecida com a sua, foi portanto muito fácil eles se entenderem. Cabeça lhe deu alto estima, um trabalho, lhe mostrou a dignidade. Leco mudou de ídolos, não eram mais Romário e o Batman, agora era só seu amigo cabeça. Sua mãe de início não gostou da idéia, mas depois do aparelho de DVD e da máquina de lavar mudou de opinião. Quanto mais Leco ganhava importância, lhe apareciam inimigos, mas disso foi fácil cuidar, seu amigo cabeça lhe ajudou. Leco nunca vacilou numa parada, exceto no dia em que foi traído por cabeça, que temia o seu sucesso. Leco, que tinha dúvidas se queria ser jogador de futebol ou professor, hoje está enterrado numa vala como indigente. Uma criança não nasce querendo ser bandido, assaltante. O traficante Leco um dia foi o menino Leco humilhado nos semáforos da vida. Disso nunca poderemos esquecer. Sempre surge um alienado de plantão pra dizer: “isso é ilusão, pra vencer na vida é só querer, tem um primo de um primo meu que nasceu na favela e hoje é advogado”. É verdade que este cara é um vencedor, foi mostrado um caso, mas posso listar milhões que não conseguiram, devemos analisar o caso pela regra e a regra infelizmente é a exclusão. Tudo isso me parece com a história do aprendiz de feiticeiro que, deixado pelo mestre em casa para que fizesse a faxina, num truque de mágica encantou a vassoura para que ela fizesse tudo sozinha. Só que tinha um problema, o aprendiz de feiticeiro sabia encantar a vassoura, mas não tinha aprendido ainda a desencantar. Aconteceu que quando o mestre chegou já não existia casa, a vassoura trabalhou sem parar até levar a casa ao chão. É o que acontece com a nossa sociedade, soubemos criar todo este sistema desigual, mas não sabemos acabar com ele. A desigualdade social levou à pobreza do povo que, auxiliado pelo sistema consumista, gera toda a violência que existe.

segunda-feira, 16 de março de 2009

Não é tão simples assim...

A polêmica sobre o caso da menina de Recife e seu arcebispo está rendendo. Para os de memória curta, relembremos o caso. Uma menina de nove anos de idade vinha sendo abusada sexualmente por seu padrasto há cerca de quatro anos o qual gerou uma gravidez de gêmeos. A mãe da menina, aconselhada pelos médicos, resolveu que sua filha deveria abortar, pois, segundo eles, uma criança de nove anos não resistiria a uma gravidez de duas crianças. O arcebispo de Recife, após a realização do aborto, excomungou a mãe da menina e a equipe de médicos que participaram do procedimento. Emergiram vozes de todos os lados a favor e contra a atitude do arcebispo. Eu, porém, acho que o caso não é tão simples assim. Dizer que em caso de gravidez indesejada deve-se permitir o aborto não faz nem um pouco parte de mim, mas também tomar a posição sem o mínimo de sensibilidade de afirmar que a atitude do arcebispo foi a única possível também não me atrai. São atitudes por demais simplistas que nos impedem de refletir. Vejo, pois, o caso por outra janela. Lembre-se de uma criança de nove anos que você conhece. Pense que você descobre que ela está grávida do padrasto. Melhor, pense que essa criança é sua filha e os médicos afirmam que ela não resistirá à gestação. O que fazer? Não estamos falando de uma mulher da classe média e já adulta que resolve abortar um bebê gerado de uma aventura noturna. Estamos falando de uma menina que ainda não tem seu corpo nem seu psicológico formado por completo e está grávida de seu padrasto. Ora, em uma mulher adulta percebemos o esforço para levar à frente uma gravidez de um único filho, quanto mais de dois. Estamos falando de uma mãe que descobre que seu companheiro engravidou sua filha e caso ela leve essa gestação à frente provavelmente morrerá.
Como falei, não é tão simples assim. Talvez o que tenha provocado maior revolta foi a fala do arcebispo quando afirmou que a atitude da mãe e dos médicos foi pior que o abuso sofrido pela criança. Completou ainda que, segundo o código canônico, o padrasto molestador não deveria ser excomungado. Códigos, mais códigos, me impressiono como teimamos em reduzir Deus à leis... Nunca devemos esquecer que viver não se resume a estar vivo. Aquela menina de nove anos também morreu, não existe mais. Fico triste porque os que defendem o arcebispo não tocam nesse assunto. Nem tampouco falam sobre as milhares de crianças que, em razão da fome, exploração sexual, violência, perdem suas inocências nos guetos e favelas de nosso país, não mais vivem, apenas sobrevivem. Eu concordo com a atitude da mãe? Na verdade não sei, mas entendo. Prefiro não me alinhar à corrente que defende a atitude do arcebispo baseada em catecismos e códigos. Creio que uma atitude de misericórdia num caso tão doloroso seria mais cristã. Entendo que um apoio a essa família seria mais útil que uma punição de excomunhão. Aliás, creio que a excomunhão em oportunidade alguma é a atitude mais cristã. O que eu faria se fosse a mãe da menina? Creio que o mesmo que ela fez, porém não tenho certeza. Os médicos falaram que nem a menina nem os bebês sobreviveriam, na minha visão leiga e parcial de medicina concordo, mas mesmo assim não me contento. Esse é um dos poucos assuntos que não consigo tomar posição definida, filio-me aos que ainda estão procurando a solução mais justa e rezam por esta avó que teve de abortar seus netos para sua filha não morrer e ainda foi excomungada. Aproveito o ensejo e publico este texto do Pe. Alfredo J. Gonçalves, CS, excomungamos...
Excomungamos todos aqueles que multiplicam sua renda através da especulação financeira, principais responsáveis pela crise atual, com todos os males que ela provoca, tornando mais miseráveis os pobres e mais poderosos os ricos...
Excomungamos todos os “paraísos fiscais”, onde o trabalho da imensa multidão anônima se converte em ouro, em dólares e em capital para uso de poucos...
Excomungamos o sistema capitalista de produção e sua filosofia liberal que, ao longo da história, se nutre da exploração dos recursos naturais, do trabalho humano e do patrimônio cultural dos povos...
Excomungamos todos aqueles que acumulam fazenda sobre fazenda, casa sobre casa, criando imensos latifúndios improdutivos ou mansões vazias, ao lado de milhões de pessoas famintas e sem terra e sem teto...
Excomungamos os responsáveis pelos assassinatos no campo e na cidade, não somente os que empunham a arma do crime, mas com maior razão os que pagam para matar...
Excomungamos todos os políticos que, apoiados pelo voto popular, usam do poder em benefício próprio e de seus apadrinhados, traindo aqueles que o elegeram e corrompendo os canais da participação popular...
Excomungamos todo Estado que alimenta um exército de soldados e burocratas e, ao mesmo tempo, deixa cada vez mais precários os serviços públicos, substituindo-os com políticas compensatórias...
Excomungamos todos os traficantes de droga, de pessoas humanas ou de órgãos humanos, que mercantilizam a vida e causam a destruição da família e de todos os laços fraternos de solidariedade...
Excomungamos todas as milícias paramilitares e a “banda podre” das polícias porque, a cada ano, ceifam a vida de milhares de jovens e adolescentes...
Excomungamos todos os tiranos que a ferro e fogo ainda reinam sobre a face da terra, assentados em tronos de ouro, construídos com o sangue, o suor e as lágrimas de seus súditos...
Excomungamos todos os mega-projetos, agro e hidro negócios, que devastam a natureza, contaminam o ar e as águas e, no afã de acumular poder e riqueza, reduzem drasticamente a biodiversidade sobre o planeta Terra...
Excomungamos todos os pedófilos, estupradores, sequestradores e seus cúmplices que não só escandalizam os inocentes, mas os convertem em objeto de prazer e de lucro...
Excomungamos a violência do homem sobre a mulher e as crianças, não raro encoberta pela inviolabilidade do lar e da família e que, aos milhões, esconde hematomas, cicatrizes e traumas sem remédio...
Excomungamos os que fazem de seus carros uma arma que fere, mutila e mata e que seguem impunes pelas ruas com suas máquinas velozes e letais...
Excomungamos todo tipo de exploração do trabalho humano, transformando mulheres e homens em peças descartáveis de uma engrenagem que se alimenta de carne humana...
Excomungamos todo sistema prisional que, pela superlotação, pelos abusos e pela tortura, avilta a pessoa humana e faz da prisão uma verdadeira escola do crime...
Excomungamos todas injustiças e assimetrias realizadas em nome da “democracia liberal”, pois a história tem sido testemunha de que essas duas expressões são incompatíveis...

quarta-feira, 4 de março de 2009

A paz é fruto da justiça

A paz é fruto da justiça. E a justiça, em que solo brota? Somente naquele solo raro e fértil chamado caridade é que ela germina. E esse solo chamado caridade, onde encontramos? Podemos achá-lo nos locais mais diversos, mas sobretudo numa ilha chamada cristianismo. Se navergarmos um pouco acharemos várias ilhas com esse nome, umas maiores, outras menores, umas feias, outras bonitas. Às vezes, em razão do grande número, até jogamos nossa âncora em algumas delas, mas depois de um passeio no litoral vemos não ser a verdadeira ilha cristiânica.
A CNBB com mais uma capanha da fraternidade provou ser um pedacinho da verdadeira ilha, apesar de hoje isolada. A CNBB é um dos poucos redutos do cristianismo libertador, aquele nascido do Concílio Vaticano II e que procurou a radicalidade de Cristo. Aquele Cristo que quando perguntado sobre qual era o maior mandamento respondeu que haviam dois, amar a Deus sobre todas as coisas e a teu irmão como a ti mesmo (Mc 12, 28-34).
Infelizmente a igreja hoje em sua maioria é refém desse sistema individualista, a qual ha um cultivo exagerado do "EU", esquecendo-se do ele, do nós. Vive-se um cristianismo superficial e pela metade.
Esse cena me chamou a atenção. Acima a prescrição pela justiça. Abaixo a injustiça materializada . O conflito entre duas igrejas. Uma que ama, a outra que se ama. Fico imaginando se isso aconteceria numa igreja de Dom Helder, de Dom Pedro Casaldáliga, de Oscar Romero....
Busca-se tanto a satisfação pessoal que não ligamos para as pessoas que ficaram pelo caminho, pior, para as que nem chagaram a levantar-se para caminhar.
Mas a utopia vive, pois Cristo vive. Meu pastor se fez cordeiro, sevidor se fez meu rei (Dom Pedro Casaldáliga).
Hoje Cristo encontrou sua igreja de portas fechas, em vez do sacrário seu peito teve como berço o chão frio de uma tarde chuvosa.