segunda-feira, 16 de março de 2009

Não é tão simples assim...

A polêmica sobre o caso da menina de Recife e seu arcebispo está rendendo. Para os de memória curta, relembremos o caso. Uma menina de nove anos de idade vinha sendo abusada sexualmente por seu padrasto há cerca de quatro anos o qual gerou uma gravidez de gêmeos. A mãe da menina, aconselhada pelos médicos, resolveu que sua filha deveria abortar, pois, segundo eles, uma criança de nove anos não resistiria a uma gravidez de duas crianças. O arcebispo de Recife, após a realização do aborto, excomungou a mãe da menina e a equipe de médicos que participaram do procedimento. Emergiram vozes de todos os lados a favor e contra a atitude do arcebispo. Eu, porém, acho que o caso não é tão simples assim. Dizer que em caso de gravidez indesejada deve-se permitir o aborto não faz nem um pouco parte de mim, mas também tomar a posição sem o mínimo de sensibilidade de afirmar que a atitude do arcebispo foi a única possível também não me atrai. São atitudes por demais simplistas que nos impedem de refletir. Vejo, pois, o caso por outra janela. Lembre-se de uma criança de nove anos que você conhece. Pense que você descobre que ela está grávida do padrasto. Melhor, pense que essa criança é sua filha e os médicos afirmam que ela não resistirá à gestação. O que fazer? Não estamos falando de uma mulher da classe média e já adulta que resolve abortar um bebê gerado de uma aventura noturna. Estamos falando de uma menina que ainda não tem seu corpo nem seu psicológico formado por completo e está grávida de seu padrasto. Ora, em uma mulher adulta percebemos o esforço para levar à frente uma gravidez de um único filho, quanto mais de dois. Estamos falando de uma mãe que descobre que seu companheiro engravidou sua filha e caso ela leve essa gestação à frente provavelmente morrerá.
Como falei, não é tão simples assim. Talvez o que tenha provocado maior revolta foi a fala do arcebispo quando afirmou que a atitude da mãe e dos médicos foi pior que o abuso sofrido pela criança. Completou ainda que, segundo o código canônico, o padrasto molestador não deveria ser excomungado. Códigos, mais códigos, me impressiono como teimamos em reduzir Deus à leis... Nunca devemos esquecer que viver não se resume a estar vivo. Aquela menina de nove anos também morreu, não existe mais. Fico triste porque os que defendem o arcebispo não tocam nesse assunto. Nem tampouco falam sobre as milhares de crianças que, em razão da fome, exploração sexual, violência, perdem suas inocências nos guetos e favelas de nosso país, não mais vivem, apenas sobrevivem. Eu concordo com a atitude da mãe? Na verdade não sei, mas entendo. Prefiro não me alinhar à corrente que defende a atitude do arcebispo baseada em catecismos e códigos. Creio que uma atitude de misericórdia num caso tão doloroso seria mais cristã. Entendo que um apoio a essa família seria mais útil que uma punição de excomunhão. Aliás, creio que a excomunhão em oportunidade alguma é a atitude mais cristã. O que eu faria se fosse a mãe da menina? Creio que o mesmo que ela fez, porém não tenho certeza. Os médicos falaram que nem a menina nem os bebês sobreviveriam, na minha visão leiga e parcial de medicina concordo, mas mesmo assim não me contento. Esse é um dos poucos assuntos que não consigo tomar posição definida, filio-me aos que ainda estão procurando a solução mais justa e rezam por esta avó que teve de abortar seus netos para sua filha não morrer e ainda foi excomungada. Aproveito o ensejo e publico este texto do Pe. Alfredo J. Gonçalves, CS, excomungamos...
Excomungamos todos aqueles que multiplicam sua renda através da especulação financeira, principais responsáveis pela crise atual, com todos os males que ela provoca, tornando mais miseráveis os pobres e mais poderosos os ricos...
Excomungamos todos os “paraísos fiscais”, onde o trabalho da imensa multidão anônima se converte em ouro, em dólares e em capital para uso de poucos...
Excomungamos o sistema capitalista de produção e sua filosofia liberal que, ao longo da história, se nutre da exploração dos recursos naturais, do trabalho humano e do patrimônio cultural dos povos...
Excomungamos todos aqueles que acumulam fazenda sobre fazenda, casa sobre casa, criando imensos latifúndios improdutivos ou mansões vazias, ao lado de milhões de pessoas famintas e sem terra e sem teto...
Excomungamos os responsáveis pelos assassinatos no campo e na cidade, não somente os que empunham a arma do crime, mas com maior razão os que pagam para matar...
Excomungamos todos os políticos que, apoiados pelo voto popular, usam do poder em benefício próprio e de seus apadrinhados, traindo aqueles que o elegeram e corrompendo os canais da participação popular...
Excomungamos todo Estado que alimenta um exército de soldados e burocratas e, ao mesmo tempo, deixa cada vez mais precários os serviços públicos, substituindo-os com políticas compensatórias...
Excomungamos todos os traficantes de droga, de pessoas humanas ou de órgãos humanos, que mercantilizam a vida e causam a destruição da família e de todos os laços fraternos de solidariedade...
Excomungamos todas as milícias paramilitares e a “banda podre” das polícias porque, a cada ano, ceifam a vida de milhares de jovens e adolescentes...
Excomungamos todos os tiranos que a ferro e fogo ainda reinam sobre a face da terra, assentados em tronos de ouro, construídos com o sangue, o suor e as lágrimas de seus súditos...
Excomungamos todos os mega-projetos, agro e hidro negócios, que devastam a natureza, contaminam o ar e as águas e, no afã de acumular poder e riqueza, reduzem drasticamente a biodiversidade sobre o planeta Terra...
Excomungamos todos os pedófilos, estupradores, sequestradores e seus cúmplices que não só escandalizam os inocentes, mas os convertem em objeto de prazer e de lucro...
Excomungamos a violência do homem sobre a mulher e as crianças, não raro encoberta pela inviolabilidade do lar e da família e que, aos milhões, esconde hematomas, cicatrizes e traumas sem remédio...
Excomungamos os que fazem de seus carros uma arma que fere, mutila e mata e que seguem impunes pelas ruas com suas máquinas velozes e letais...
Excomungamos todo tipo de exploração do trabalho humano, transformando mulheres e homens em peças descartáveis de uma engrenagem que se alimenta de carne humana...
Excomungamos todo sistema prisional que, pela superlotação, pelos abusos e pela tortura, avilta a pessoa humana e faz da prisão uma verdadeira escola do crime...
Excomungamos todas injustiças e assimetrias realizadas em nome da “democracia liberal”, pois a história tem sido testemunha de que essas duas expressões são incompatíveis...

Um comentário:

André Canobel disse...

Olá, gostei do seu blog...

Irei coloca-lo ele entre os blogs que indico no meu blog.Se gostar do meu, coloque um link dele aqui.

Um abraço...Paz e Axé.

www.blogdalibertacao.blogspot.com