quarta-feira, 25 de março de 2009

A dor de cabeça de joãozinho

Joãozinho acorda sua mãe aos berros: - Mããããeeee, tô doente. - Doente? De quê menino? pergunta a mãe preocupada. - Tô doente de dor de cabeça, mãe. - De dor de cabeça? Mas dor de cabeça não é doença meu filho. - É doença sim, ta doendo muito, eu quero remédio pra ficar bom. - Olha filho, dor de cabeça não é doença, é apenas o sintoma de alguma doença. - Não quero saber mãe, é doença sim, e eu quero remédio pra ficar bom logo. - Você vai tomar o remédio agora e a dor vai desaparecer por enquanto, mas logo vai voltar. A gente tem que ir ao médico para saber de que realmente você ta doente filho. - Nãããooo mãe, médico não, eu quero ficar bom agora, se for pro médico vai demorar muitoooo. - Mas é isso filho, vai demorar um pouquinho, mas em compensação a gente vai descobrir qual sua doença e a dor de cabeça que é só um sintoma não vai... - Eu quero ficar bom agoraaaa, dor de cabeça é uma doença sim, me dá o remédio mãe. Interrompe joãzinho sua mãe aos berros. - Tudo bem filho, tudo bem, se é assim que você quer. Na manhã seguinte a história se repete. Ganha um piro-cóptero quem adivinhar quem é Joãozinho nessa história. Quem pensou no Brasil acertou. Mas por quê o Brasil? Você que não ganhou o piro-cóptero me pergunta. Explicar-lhe-ei meu caro. Nós aqui desta querida terra de Santa Cruz, por vários motivos, dentre eles históricos e culturais, estamos acostumados a procurar soluções fáceis e rápidas para nossos problemas, que na maioria das vezes não resolvem nada. Somos portanto esse Joãzinho da história. E você me pergunta ainda, e o que é então a dor de cabeça cara pálida? Olhaê, estamos nos entendendo. Boa pergunta. A dor de cabeça é o que está na moda nas passarelas de nossos tele-jornais, a famosa violência. Fala-se demais de quanto o nosso país está violento, é assalto daqui, é morte de lá. Porém continuamos pensando como Joãozinho, achando que a violência é um mal, esquecendo que ela é na verdade o sintoma de toda uma conjuntura social adversa. A violência não existe por si só, ela é fruto de todo um sistema opressor. A sua gênese está diretamente ligada à desigualdade social. Imaginemos uma criança que nasce na favela de nome Léco. Léco é o sétimo de nove filhos de dona Francisca, que veio do interior buscar a sorte na cidade grande. Os cinco primeiros filhos de dona Francisca são de Raimundo, que morreu na fila do hospital, até hoje não se sabe por qual motivo. Os outros dois filhos, inclusive Leco, são de pais diferentes. O pai de Léco, que só se conhece pelo apelido, Faísca, está preso. Dona Francisca hoje divide seu tempo entre cuidar das crianças e seu trabalho de diarista que lhe dá parte de seu sustento. Leco desistiu de estudar logo cedo, não por falta de vontade, mas por necessidade, ele queria ser professor ou jogador de futebol. Tinha que trabalhar na rua pra ajudar sua mãe, seus irmãos e seus sobrinhos, inclusive o filho de sua irmã Lara de treze anos que está grávida pela segunda vez. Ele começou engraxando sapatos, mas logo desistiu, o que ganhava não compensava. Passou então a fazer malabares em um sinal de trânsito, mas também não deu certo, as nobres senhoras tinham medo de serem assaltadas por Leco. Foi então que conheceu “cabeça”. Cabeça tinha a história parecida com a sua, foi portanto muito fácil eles se entenderem. Cabeça lhe deu alto estima, um trabalho, lhe mostrou a dignidade. Leco mudou de ídolos, não eram mais Romário e o Batman, agora era só seu amigo cabeça. Sua mãe de início não gostou da idéia, mas depois do aparelho de DVD e da máquina de lavar mudou de opinião. Quanto mais Leco ganhava importância, lhe apareciam inimigos, mas disso foi fácil cuidar, seu amigo cabeça lhe ajudou. Leco nunca vacilou numa parada, exceto no dia em que foi traído por cabeça, que temia o seu sucesso. Leco, que tinha dúvidas se queria ser jogador de futebol ou professor, hoje está enterrado numa vala como indigente. Uma criança não nasce querendo ser bandido, assaltante. O traficante Leco um dia foi o menino Leco humilhado nos semáforos da vida. Disso nunca poderemos esquecer. Sempre surge um alienado de plantão pra dizer: “isso é ilusão, pra vencer na vida é só querer, tem um primo de um primo meu que nasceu na favela e hoje é advogado”. É verdade que este cara é um vencedor, foi mostrado um caso, mas posso listar milhões que não conseguiram, devemos analisar o caso pela regra e a regra infelizmente é a exclusão. Tudo isso me parece com a história do aprendiz de feiticeiro que, deixado pelo mestre em casa para que fizesse a faxina, num truque de mágica encantou a vassoura para que ela fizesse tudo sozinha. Só que tinha um problema, o aprendiz de feiticeiro sabia encantar a vassoura, mas não tinha aprendido ainda a desencantar. Aconteceu que quando o mestre chegou já não existia casa, a vassoura trabalhou sem parar até levar a casa ao chão. É o que acontece com a nossa sociedade, soubemos criar todo este sistema desigual, mas não sabemos acabar com ele. A desigualdade social levou à pobreza do povo que, auxiliado pelo sistema consumista, gera toda a violência que existe.

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