terça-feira, 19 de outubro de 2010
Ônibus, enxadas e a Mossoró do presente.
quinta-feira, 1 de abril de 2010
Em 31 de março de 1964, depois do golpe que derrubou o presidente João Goulart e empossou o General Castello Branco, tinha início o período de ditadura militar brasileira. Marcado pela censura à imprensa, pelos direitos fundamentais suprimidos, prisões arbitrárias, torturas e mortes, os anos de chumbo se estenderiam por longos 21 anos.
Época das grandes passeatas, da efervescência do movimento estudantil e das guerrilhas. Tempos de Brasil “ame-o ou deixe-o” e de “ninguém segura esse país”. Essa triste página do grande livro chamado Brasil escrita com ferro e sangue preenche o coração dos que viveram aquela época com um misto de tristeza e nostalgia, fazendo parte de um passado inglório que jamais deve ser esquecido.
Pelos tempos atuais, passadas décadas do golpe, saboreamos avanços e retrocessos em relação à feio passado. No campo democrático, talvez o maior avanço. Temos hoje, em que pese merecer várias ressalvas, um país livre. No campo dos direitos humanos, o maior retrocesso. É inadmissível em um país dito democrático as violações tais quais existem. O fato de haver democracia intensifica a culpa. Dentre tantas violações que poderia citar me detenho aqui à tortura. Herança de tempos sombrios, afogamentos, espancamentos, asfixias, choques elétricos em órgãos genitais, interrupção da alimentação por dias, retirada a frio de unhas, golpes nas plantas dos pés, aplicação de vinagre sobre ferimentos e outros, são práticas ainda comuns em delegacias, cadeias e penitenciárias de todo o país. Segundo relatório da Organização das Nações Unidas divulgado no final de
Não necessitaríamos desta manifestação da ONU, relatando a existência de tortura nas cadeias brasileiras para termos ciência disso, a experiência cotidiana nos permite chegar a essa conclusão, pois tudo começa ainda na rua, onde simples revistas policiais se transformam em suplícios humilhantes. Chega ainda a espantar que a pena cominada ao crime de tortura, nos quase não conhecidos casos de condenação, seja a mesma do crime de furto qualificado. Ou seja, tanto faz arrombar um carro e furtar o CD player como introduzir fios eletrificados pela uretra de um homem, segundo a legislação brasileira os dois crimes terão a mesma pena, de dois e oito anos de prisão.
A existência permanente de sevícias é reflexo da impunidade dos torturadores do período ditatorial, bem como do silêncio e omissão popular nos dias atuais. Incorporando Pilatos lavamos nossas mãos enquanto centenas de pessoas são torturadas nas cadeias diariamente, o que nos faz cúmplices do horror. Em nenhum momento defendo a impunidade, luto outrossim pela justiça que tenho certeza não se faz pela tortura. Deixo por fim um poema de Frei Tito de Alencar, símbolo de resistência e utopia que a tortura não conseguiu calar: “Quando secar o rio da minha infância / secará toda dor. Quando os regatos límpidos de meu ser secarem / minh'alma perderá sua força. Buscarei, então, pastagens distantes / lá onde o ódio não tem teto para repousar. Ali erguerei uma tenda junto aos bosques. Todas as tardes, me deitarei na relva / e nos dias silenciosos farei minha oração. Meu eterno canto de amor: / expressão pura de minha mais profunda angústia. Nos dias primaveris, colherei flores / para meu jardim da saudade. Assim, exterminarei a lembrança de um passado sombrio”.
quarta-feira, 24 de março de 2010
Abro um olho em concorrência com o outro. Com a vista ainda um pouco embaraçada ergo meu corpo devagar com o auxílio dos cotovelos enquanto organizo as idéias. Está logo à frente da minha cama, em ritmo frenético, impaciente, dando voltas amiúde, continuamente o meu contrário, no mesmo lugar e da mesma forma da noite anterior. Foi quem por último lembro de ter avistado antes de dormir e é quem por primeiro me vem dar bom dia. É sempre assim. A cada manhã insiste em lembrar que estou mais velho e a cada manhã insisto em repetir que não me preocupo. Já não gosto de sua companhia. Não pela lembrança que acabo de mencionar, é a teimosia em correr que não me agrada. Prefiro o deguste arrastado, o que não raro procura me impedir. Umas vezes conseguindo, outras não. Criei entre nós um hiato. Cada qual com seu cada qual.
Em que pese meu desprezo, sua superioridade me constrange. Tudo conspira a seu favor. O sol que nasce e a maré que sobe. O sino que toca e o operário que sai. A fome que vem e a disposição que vai. Como prepostos seus a me intimidar.
Vez ou outra penso em reaproximação, mesmo sabendo que o distanciamento em verdade nunca aconteceu. Reconheço seus méritos. O prazer de uma vitória depende de sua existência. Mas seus deméritos a mim são mais flagrantes. Faz que sejamos concorrentes de nós mesmos. Ainda que ganhemos, seremos sempre também derrotados. Prefiro o profundo, não o raso. O dedilhado em vez do batido. O contemplado em detrimento do olhado.
Agora levanto. À mim a liberdade que somente há fora de ti. Tempo.