quarta-feira, 24 de março de 2010

Abro um olho em concorrência com o outro. Com a vista ainda um pouco embaraçada ergo meu corpo devagar com o auxílio dos cotovelos enquanto organizo as idéias. Está logo à frente da minha cama, em ritmo frenético, impaciente, dando voltas amiúde, continuamente o meu contrário, no mesmo lugar e da mesma forma da noite anterior. Foi quem por último lembro de ter avistado antes de dormir e é quem por primeiro me vem dar bom dia. É sempre assim. A cada manhã insiste em lembrar que estou mais velho e a cada manhã insisto em repetir que não me preocupo. Já não gosto de sua companhia. Não pela lembrança que acabo de mencionar, é a teimosia em correr que não me agrada. Prefiro o deguste arrastado, o que não raro procura me impedir. Umas vezes conseguindo, outras não. Criei entre nós um hiato. Cada qual com seu cada qual.

Em que pese meu desprezo, sua superioridade me constrange. Tudo conspira a seu favor. O sol que nasce e a maré que sobe. O sino que toca e o operário que sai. A fome que vem e a disposição que vai. Como prepostos seus a me intimidar.

Vez ou outra penso em reaproximação, mesmo sabendo que o distanciamento em verdade nunca aconteceu. Reconheço seus méritos. O prazer de uma vitória depende de sua existência. Mas seus deméritos a mim são mais flagrantes. Faz que sejamos concorrentes de nós mesmos. Ainda que ganhemos, seremos sempre também derrotados. Prefiro o profundo, não o raso. O dedilhado em vez do batido. O contemplado em detrimento do olhado.

Agora levanto. À mim a liberdade que somente há fora de ti. Tempo.

quinta-feira, 11 de março de 2010

Não, no chão não pode.

Essa semana tive a grande alegria de precisar ir à Caixa Econômica Federal. Isso para mim é sempre um grande prazer. Fui. Ao chegar peguei a ficha número 185. Fiquei, lógico, muito feliz com isso. Caminhei ao setor responsável para esperar (muito) a minha vez. Dado que o local de espera disponibilizava do montante extraordinário de cerca de vinte cadeiras para mais de 200 pessoas e todas as vinte cadeiras (TODAS) já estavam ocupadas, teria que esperar de pé. Mas resolvi, mesmo assim, de algum modo, cumprir o ditado, "esperar sentado". Depois de analisar as milhares de possibilidades que o banco me fornecia, me apareceu, assim como um oásis no deserto, um cantinho de parede com um design atraente, uma boa acústica, temperatura agradável e ótimos azulejos para encostar minha parte traseira. Fui até lá. Pronto, me sentei no chão. Senti assim o aconchego que o banco sempre me oferecera. Agora esperaria 184 pessoas serem atendidas em ótimo estilo. Infelizmente, assim como uma brisa fria por Mossoró, minha felicidade logo se foi. Não demorou muito para que um dos seguranças da agência (para minha surpresa muito bem educado) me informasse que eu não poderia ficar sentado ali no chão, o banco não permite, e que se o gerente me visse naquela situação iria me pedir para levantar. Fiquei alguns segundos parado. Tentei impor outro significado ao mosaico de palavras que me foi dirigido que não aquele que já tinha entendido. Olhei para o guarda, soltei algumas palavras entre sorrisos, retribuí sua boa educação, desconversei. Continuei sentado. Agora mais do que nunca. Baixou em mim o espírito de uma criança emburrada. A raiva que me abateu fez-me canalizar toda a força mecânica de meu corpo em direção ao chão para que tivesse a certeza que estava realmente ali sentado. Daí em diante se misturaram em minha cabeça interrogações a mim mesmo: "E não pode sentar no chão, vou sentar onde? Tenho que esperar em pé? E por quê não colocam mais cadeiras?" com a raiva nascida da situação e a vontade de que o gerente aparecesse para que, de forma freudiana, me explicasse o motivo de não ter cadeiras e mesmo assim não poder se sentar no aveludado chão. Em que pese a profecia do segurança, esperei algum tempo ali sentado sobre os meus confortáveis azulejos e o gerente não apareceu. Acho que não me viu. Creio que em razão da multidão que se acumulava no banco dificultando sua visão para os demais pontos da agência. Chegada a minha vez de ser atendido, tendo o ponteiro do relógio dado vários voltas em torno do corpo que o sustenta, levantei do chão frio e fui até o guichê. No caminho de retorno para casa fiquei a divagar o que diria o gerente ao me ver sentado naquele sacro-santo chão. Talvez entre centenas de outros motivos totalmente compreensíveis ele teria me dito: "Caro cliente, imagino que o senhor saiba que mesmo com a crise econômica mundial a Caixa obteve um lucro de cerca de R$ 3 milhões no ano de 2009, isso tudo devido às inúmeras tarifas pagas por nossos clientes, como o senhor. Sei que o número de cadeiras é reduzido por demais, sem falar no tempo de espera. Sei também que vocês clientes pagam tarifas caras por nossos serviços e na maioria das vezes o referido serviço não é prestado com a qualidade necessária, o que é uma afronta ao direito e dignidade dos senhores. Todavia, eu não tenho nada a ver com isso e quero que o senhor levante-se agora do chão pois atitudes como essa mancham a imagem de nosso querido banco, agradeço".