terça-feira, 1 de maio de 2012

A abstinência da escrita é para alguns um corte na alma, a privação de uma parte do ser. As vezes, acontece também o processo inverso. O recorte na alma leva à abstinência da escrita.

Hoje vicio-me outra vez.

Abstinência, quem sabe, nunca mais.

Escrever é gritar com todos os sentidos.

Que revivamos na utopia.


quinta-feira, 16 de junho de 2011

Nostalgia de um pretérito presente

Por vezes nos bate aquela saudade de um tempo que não vivemos. Grandes passeatas, tropicália, Comunidades Eclesiais de Base, contracultra, movimento hippie, Marx, Sartre e Simone de Beauvoir estão de alguma forma inscritos em nossa memória. Um passado não vivido que nos apaixona em razão de um presente vivido que nos decepciona. A dormência dos dias atuais faz com que busquemos utopia em um pretérito não experimentado. Todavia, por vezes, espasmos de uma loucura revolucionária nos carregam a uma chama de esperança nesses tempos. Um desses espasmos está a pulsar há mais de uma semana. Dezenas de jovens que mais tarde seriam acompanhados por diversos movimentos sociais fazem história em Natal/RN, ao acamparem na Câmara Municipal desta cidade. Estão lado a lado no acampamento barracas, debates políticos, bandeiras e muita arte. Esse é o cotidiano. Vivendo diariamente uma batalha jurídica e política, o grupo auto-intitulado #foramicarla promove a #primaverasemborboleta em alusão à prefeita “ambientalista” Micarla de Sousa acusada de uma série de irregularidades e desvio de verbas públicas. O que o movimento quer? A instauração de uma CEI (comissão especial de investigação) para que sejam investigados esses possíveis desvios de dinheiro público. Algo simples mas que até agora foi negado pelos vereadores. Porquê? Não se sabe. Medo de algo, quem sabe. Hoje, quinta-feira, dia 16 de junho, acompanho de perto esse processo. O passado teria chegado ao presente ou o presente é a continuidade de um passado? Talvez as duas coisas. Saudações a esses revolucionários e revolucionárias da pós-modernidade, que como bem definiu o advogado Daniel Pessoa de forma poética no Habeas Corpus impetrado no STJ que permitiu a permanência do movimento na câmara: "São todos e todas, negros, pardos, cafuzos, mamelucos, amarelos, índios, brancos, vermelhos, mulatos, enfim de todas as cores de pele que se possa imaginar, mas todos e todas integram a raça humana; São todas e todos, ubandistas e das demais religiões de matriz africana, cristãos, católicos, evangélicos, protestantes, anglicanos, ortodoxos, heterodoxos, mulçumanos, judeus, xintoístas, budistas, enfim professam todas as expressões religiosas do mundo; São todos e todas, homossexuais, heterossexuais, lésbicas, gays, travestis, transsexuais, transgêneros, bissexuais, enfim de todas as cores e expressões da liberdade e diversidade sexual; São todas e todos, de esquerda, centro, e até de direita, anarquistas, comunistas, socialistas, ambientalistas, militantes dos Direitos Humanos, liberais, capitalistas, ricos, pobres, trabalhadores, enfim de todas as matizes ideológicas, políticas e socioeconômicas; Em suma, são todos e todas, brasileiros de toda e qualquer procedência nacional"

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Todas las voces, todas! Todas las manos, todas! À esquerda, por favor!

A eleição de Ollanta Humala no Peru dá continuidade a um processo muito importante na América Latina, a ascensão de governos de esquerda em todo o continente. É, sem dúvidas, momento de luta e festa, bem no estilo latino de ser. Endurecer sem perder a ternura. Frei Betto lembra que a história recente da grande pátria pode ser dividida em três momentos: O período ditatorial, entre os anos 60-80, onde vários países viviam sob regimes de exceção; o período neo-liberal, anos 80-90, onde a idéia de livre comércio se espalhou por essas bandas do sul; e agora o período de governos de tendência socialista e social democrata. A lista é grande e dá gosto de ver: No Paraguai o ex-bispo e teólogo da libertação Fernando Lugo. Na Argentina Cristina Kirchner. Na Bolívia o líder indígena Evo Morales. Na Venezuela o militar insurgente Hugo Chaves. Em Cuba Raul Castro. No Uruguai o ex-guerrilheiro Pepe Mojica. No equador o também influenciado pela esquerda cristã Rafael Correa. No Brasil a ex-guerrilheira Dilma Rousseff e agora no Peru Ollanta Humala. Mas o que isso significa? Duas coisas em especial. Primeiro, deixa transparente que nós latino-americanos temos processos políticos muito estreitos o que, de fato, demonstra nossa irmandade como um dia falou Bolivar. Segundo, que o crescimento da esquerda no continente é reflexo da falência e incapacidade das propostas capitalistas. A miséria e exclusão social causadas pelo sistema do capital fez com que o povo percebesse a necessidade de uma mudança radical de paradigmas. Mais do que vitórias partidárias, o atual contexto é resultado de lutas populares espalhadas pela Pachamama. Cabe a nós aproveitarmos essa oportunidade histórica e construirmos uma civilização mais justa e fraterna nessa parte colorida do globo. Mesmo os EUA não aceitando, estamos com a chance, mais do que nunca. Sejamos competentes! Venceremos!

E assim como cantou Mercedes Sosa em "Canción con todos", hino da unidade na América Latina felicitemos:

"Salgo a caminar/ Por la cintura cósmica del sur/ Piso en la región/ Más vegetal del tiempo y de la luz/ Siento al caminar/ Toda la piel de América en mi piel/ Y anda en mi sangre un río/ Que libera en mi voz/ Su caudal/

Sol de alto Perú/ Rostro Bolivia, estaño y soledad/ Un verde Brasil besa a mi Chile/ Cobre y mineral/ Subo desde el sur/ Hacia la entraña América y total/ Pura raíz de un grito/ Destinado a crecer/ Y a estallar./

Todas las voces, todas/ Todas las manos, todas/ Toda la sangre puede/ Ser canción en el viento./

¡Canta conmigo, canta/ Hermano americano/ Libera tu esperanza/ Con un grito en la voz"

terça-feira, 24 de maio de 2011

Como os nossos pais - Dedicado aos ídolos dos e aos 'Filhos da Revolução'

Olá Pessoal, Passado quase um ano de ausência deste humilde diário virtual, porém sem nunca renunciar a utopia, estou por aqui mais uma vez. Volto não com textos meus, mas de pessoas que me inspiram na caminhada. O primeiro, que lerão logo em seguida, é de Camila Paula, poetisa e mulher com quem vivo e partilho minhas utopias e quimeras, postado no seu blog http://macabeadelamancha.blogspot.com O segundo, logo abaixo, é de Frei Betto, e trata do relacionamento homoafetivo à luz da bíblia, de uma maneira, sobretudo, amorosa, divulgado no site adital.com.br

Caminhemos...

A amiga Ellen Dias nos falou em seu post de hoje (pode conferir www.mundodaedias.blogspot.com) sobre os 'Filhos da Revolução', colocando que somos um 'bando de reclamões'. Atualmente somos uma geração de reclamões. Concordo. Mas o pior é que somos reclamões acríticos, que não questionam, que não se INDIGNAM (não sentem verdadeira repulsa) com a atual situação do bairro, da cidade, do Estado, do País, de Serra Leoa (País mais pobre do mundo), e assim por diante... Porque reclamamos baseados em nossas necessidades primárias como fatalidade (fatalidade é o mal que nos mantem aprisionados à mediocridade); reclamamos aquilo que pesa ao nosso bolso (caso da #gasolinaRN); reclamamos questões individualistas e pronto. Fato. E é este fato que nos transforma em meras peças de uma 'Engrenagente' (Linha de montagem - Chico Buarque) capitalista. Nestes tipos de reclamações perdemos a capacidade de sermos sujeitos de nossas histórias, agentes transformadores da sociedade - sim, esse é o papel que não assumimos nos escondendo em óculos e calças coloridos (não me levem a mal os Restarts, ou não), em preocupações mesquinhas e 'egoísticas'. O ser humano é por si próprio antagônicamente generoso - eu acredito nisso - mas se perde na ditadura hedonista do mundo no qual estamos 'passando' (porque viver mesmo, implica uma causa, coisa que não temos). O querido Renato Russo já reclamava em suas canções, e com o qual, venho dialogar neste momento quando ele dizia: "Somos os filhos da Revolução/ somos burgueses sem religião/somos o futuro da nação/ Geração coca-cola", e penso: - Não, eu não quero ser a 'juventude numa propaganda de refrigerentes (Terra de Gigantes - Hengenheiros do Hawaii). É preciso resgatar a identidade de 'filhos da revolução'. 'Filhos da Revolução' é um termo muito forte, não? Não!!! Isso é o que querem nos fazer engolir (igualzinho a Coca-cola). Mas o mundo ainda não está perdido porque alguns (um dia muitos) de nós nos encontramos para debater, discutir, protestar, fazer greve, e: RECLAMAR CONSCIENTES DE QUE PODEMOS NOS FAZER OUVIDOS! Para encontrar o elo de 'filhos da revolução' resgato a memória dos nossos pais que Elis cantava, na composição do Belchior: Já faz tempo/Eu vi você na rua/Cabelo ao vento/Gente jovem reunida - estes eram os nossos pais (Os dos anos 60 - que revolucionaram com a ideia de liberdade; dos anos 70 - que disseram basta ao machismo; dos anos 80 - que pitaram as caram para proclamar as Diretas já!; e ainda dos anos 90 - que tiraram um presidente de seu cargo 'Fora Collor')E nós, dos anos 2000 um dia seremos pais também - e o que estamos fazendo? Para nós, dos anos 2000: 'Na parede da memória/ Essa lembrança/ É o quadro que dói mais (...) Peço licença para dizer que: minha dor é preceber/ que apesar de 'terem feito tudo que fizeram' nós não somos os mesmos e não vivemos como os nossos pais. Mas eu digo também que enquanto houver ao menos os sonhos e os, hoje chamados de idealistas malucos beleza (Raul Seixas), sonhadores, que além de reclamar acreditam que 'Amanhã vai ser outro dia' (Chico Buarque)e fazem algo para mudar este mundo, poderemos ser os 'perdidos' Filhos da Revolução e deixar de herança para a próxima geração o desejo de ser - 'Como os nossos pais'!

Os Gays e a Bíblia - Frei Betto

É no mínimo surpreendente constatar as pressões sobre o Senado para evitar a lei que criminaliza a homofobia. Sofrem de amnésia os que insistem em segregar, discriminar, satanizar e condenar os casais homoafetivos.

No tempo de Jesus, os segregados eram os pagãos, os doentes, os que exerciam determinadas atividades profissionais, como açougueiros e fiscais de renda. Com todos esses Jesus teve uma atitude inclusiva. Mais tarde, vitimizaram indígenas, negros, hereges e judeus. Hoje, homossexuais, muçulmanos e migrantes pobres (incluídas as "pessoas diferenciadas”...).

Relações entre pessoas do mesmo sexo ainda são ilegais em mais de 80 nações. Em alguns países islâmicos elas são punidas com castigos físicos ou pena de morte (Arábia Saudita, Irã, Emirados Árabes Unidos, Iêmen, Nigéria etc.).

No 60º aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 2008, 27 países membros da União Europeia assinaram resolução à ONU pela "despenalização universal da homossexualidade”.

A Igreja Católica deu um pequeno passo adiante ao incluir no seu Catecismo a exigência de se evitar qualquer discriminação a homossexuais. No entanto, silenciam as autoridades eclesiásticas quando se trata de se pronunciar contra a homofobia. E, no entanto, se escutou sua discordância à decisão do STF ao aprovar o direito de união civil dos homoafetivos.

Ninguém escolhe ser homo ou heterossexual. A pessoa nasce assim. E, à luz do Evangelho, a Igreja não tem o direito de encarar ninguém como homo ou hétero, e sim como filho de Deus, chamado à comunhão com Ele e com o próximo, destinatário da graça divina.

São alarmantes os índices de agressões e assassinatos de homossexuais no Brasil. A urgência de uma lei contra a homofobia não se justifica apenas pela violência física sofrida por travestis, transexuais, lésbicas etc. Mais grave é a violência simbólica, que instaura procedimento social e fomenta a cultura da satanização.

A Igreja Católica já não condena homossexuais, mas impede que eles manifestem o seu amor por pessoas do mesmo sexo. Ora, todo amor não decorre de Deus? Não diz a Carta de João (I,7) que "quem ama conhece a Deus” (observe que João não diz que quem conhece a Deus ama...).

Por que fingir ignorar que o amor exige união e querer que essa união permaneça à margem da lei? No matrimônio são os noivos os verdadeiros ministros. E não o padre, como muitos imaginam. Pode a teologia negar a essencial sacramentalidade da união de duas pessoas que se amam, ainda que do mesmo sexo?

Ora, direis ouvir a Bíblia! Sim, no contexto patriarcal em que foi escrita seria estranho aprovar o homossexualismo. Mas muitas passagens o subtendem, como o amor entre Davi por Jônatas (I Samuel 18), o centurião romano interessado na cura de seu servo (Lucas 7) e os "eunucos de nascença” (Mateus 19). E a tomar a Bíblia literalmente, teríamos que passar ao fio da espada todos que professam crenças diferentes da nossa e odiar pai e mãe para verdadeiramente seguir a Jesus.

Há que passar da hermenêutica singularizadora para a hermenêutica pluralizadora. Ontem, a Igreja Católica acusava os judeus de assassinos de Jesus; condenava ao limbo crianças mortas sem batismo; considerava legítima a escravidão e censurava o empréstimo a juros. Por que excluir casais homoafetivos de direitos civis e religiosos?

Pecado é aceitar os mecanismos de exclusão e selecionar seres humanos por fatores biológicos, raciais, étnicos ou sexuais. Todos são filhos amados por Deus. Todos têm como vocação essencial amar e ser amados. A lei é feita para a pessoa, insiste Jesus, e não a pessoa para a lei.

[Frei Betto é escritor e assessor de movimentos sociais, autor de "Um homem chamado Jesus” (Rocco), entre outros livros. www.freibetto.org - twitter:@freibetto

Copyright 2011 – FREI BETTO – Não é permitida a reprodução deste artigo em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização do autor. Assine todos os artigos do escritor e os receberá diretamente em seu e-mail. Contato – MHPAL – Agência Literária (mhpal@terra.com.br)]

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Ônibus, enxadas e a Mossoró do presente.

O relógio marcava 13:30. Um pé após o outro seguia em direção ao local onde esperaria o transporte coletivo. O sol estava à pino. Sentia-o tão próximo a minha cabeça que tinha a impressão de poder alcançá-lo com as mãos. Em que pese ser aquela a hora mais quente do dia, em Mossoró é o momento mais propício de se conseguir embarcar em um ônibus sem ter que esperar uma hora e meia. Nesse horário, se tiver sorte, passam até três ônibus dentro de uma mesma hora. Não é novidade que por essas bandas as coisas costumem funcionar às avessas, ora, com o sistema de transporte público não seria diferente. Em sua essência, o transporte público existe para servir ao povo. Em alguns casos, o poder público faz uma concessão para que empresar privadas o exerçam, mas obedecendo o mesmo princípio. Aqui , no entanto, é diferente. É o povo que serve ao transporte público. Os ônibus só transitam nos horários que lhes garantam lotação máxima e também para os bairros que obedeçam a essa lógica. Ônibus em fim de semana e feriado é artigo de luxo. Isso sem falar no preço das passagens, mais parece que Mossoró é uma metrópole. Pois bem. Enquanto me encaixava em uma sombra generosa, já que não contamos com pontos de ônibus, via do outro lado da rua dois senhores a serviço da prefeitura, aparentando bem mais idade do que deveriam ter, a ceifar a grama das sarjetas utilizando-se de enxadas num rítimo frenético. Parecia que o sol lhes era indiferente. Talvez por isso não usassem equipamento de proteção, salvo bonés com abas quebradas. Ou será que não usavam por simples falta mesmo? Enquanto, abraçado por uma sombra, brigava com o sol por ser tão cruel e perguntava a mim mesmo se seria necessário aqueles idosos estarem ali naquela hora. Já não bastava o simples fato de serem idosos trabalhando em um serviço tão desgastante, ainda tinham que estar ali na hora mais impiedosa do dia. Passados quarenta minutos de reflexão e espera, o ônibus não aparece. Me rendo ao sol e caminho de volta para casa. Deixo ao fundo apenas o ritimado das enxadas.

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Em 31 de março de 1964, depois do golpe que derrubou o presidente João Goulart e empossou o General Castello Branco, tinha início o período de ditadura militar brasileira. Marcado pela censura à imprensa, pelos direitos fundamentais suprimidos, prisões arbitrárias, torturas e mortes, os anos de chumbo se estenderiam por longos 21 anos.

Época das grandes passeatas, da efervescência do movimento estudantil e das guerrilhas. Tempos de Brasil “ame-o ou deixe-o” e de “ninguém segura esse país”. Essa triste página do grande livro chamado Brasil escrita com ferro e sangue preenche o coração dos que viveram aquela época com um misto de tristeza e nostalgia, fazendo parte de um passado inglório que jamais deve ser esquecido.

Pelos tempos atuais, passadas décadas do golpe, saboreamos avanços e retrocessos em relação à feio passado. No campo democrático, talvez o maior avanço. Temos hoje, em que pese merecer várias ressalvas, um país livre. No campo dos direitos humanos, o maior retrocesso. É inadmissível em um país dito democrático as violações tais quais existem. O fato de haver democracia intensifica a culpa. Dentre tantas violações que poderia citar me detenho aqui à tortura. Herança de tempos sombrios, afogamentos, espancamentos, asfixias, choques elétricos em órgãos genitais, interrupção da alimentação por dias, retirada a frio de unhas, golpes nas plantas dos pés, aplicação de vinagre sobre ferimentos e outros, são práticas ainda comuns em delegacias, cadeias e penitenciárias de todo o país. Segundo relatório da Organização das Nações Unidas divulgado no final de 2007, a tortura no Brasil é comum e sistemática, atingindo principalmente os presos jovens e negros. O relatório afirma ainda que raramente os policiais que abusam dos presos são considerados culpados. É peça de colecionador inquérito ou condenação de algum torturador.

Não necessitaríamos desta manifestação da ONU, relatando a existência de tortura nas cadeias brasileiras para termos ciência disso, a experiência cotidiana nos permite chegar a essa conclusão, pois tudo começa ainda na rua, onde simples revistas policiais se transformam em suplícios humilhantes. Chega ainda a espantar que a pena cominada ao crime de tortura, nos quase não conhecidos casos de condenação, seja a mesma do crime de furto qualificado. Ou seja, tanto faz arrombar um carro e furtar o CD player como introduzir fios eletrificados pela uretra de um homem, segundo a legislação brasileira os dois crimes terão a mesma pena, de dois e oito anos de prisão.

A existência permanente de sevícias é reflexo da impunidade dos torturadores do período ditatorial, bem como do silêncio e omissão popular nos dias atuais. Incorporando Pilatos lavamos nossas mãos enquanto centenas de pessoas são torturadas nas cadeias diariamente, o que nos faz cúmplices do horror. Em nenhum momento defendo a impunidade, luto outrossim pela justiça que tenho certeza não se faz pela tortura. Deixo por fim um poema de Frei Tito de Alencar, símbolo de resistência e utopia que a tortura não conseguiu calar: “Quando secar o rio da minha infância / secará toda dor. Quando os regatos límpidos de meu ser secarem / minh'alma perderá sua força. Buscarei, então, pastagens distantes / lá onde o ódio não tem teto para repousar. Ali erguerei uma tenda junto aos bosques. Todas as tardes, me deitarei na relva / e nos dias silenciosos farei minha oração. Meu eterno canto de amor: / expressão pura de minha mais profunda angústia. Nos dias primaveris, colherei flores / para meu jardim da saudade. Assim, exterminarei a lembrança de um passado sombrio”.